segunda-feira, 5 de novembro de 2007

"Keep the change, Charlie" (26/04/07)

O blog de Fábio se chama "Cup of Tea". A razão disso é que "my cup of tea" é a expressão inglesa para tudo aquilo que nos comove e encanta em nossa experiência. E o primeiro texto do blog - cujo título é "What's your cup of tea?" - fala justamente sobre um desses momentos de comoção e encantamento com a vida e as relações humanas vivido por Fábio. Pois bem, esse texto é "my cup of tea".
Depois do almoço, fui à universidade. No entanto, não consegui produzir muito por absoluta falta de inspiração. Cansado de tentar encontrar uma solução para meu problema, decidi esfriar um pouco a cabeça e pensar naquilo depois, com mais calma, em casa. Assim, saí.
Caminhando para o ponto de táxi [na época, como agora, o recomendável para mim era andar de táxi], encontrei uma amiga. Descemos juntos. Ela ia pegar o ônibus da universidade que estava passando. Como tal ônibus também me servia, decidi acompanhá-la. Mas uma série de carros apareceu "do nada" para nos impedir de atravesar a rua a tempo de chegar no ônibus. Olhei para o ponto de táxi. Eu não ia esperar por outro ônibus, uma vez que o plano original era voltar para casa de táxi. Então, perguntei a minha amiga para onde ela ia. Pois bem: o trajeto que o táxi faria dali até minha casa era tal que uma carona se fazia possível - e esta foi prontamente aceita. Entramos no táxi. Por fim, ela acabou chegando a seu destino bem antes que se tivesse ido no ônibus que perdeu.
O táxi continuou seu caminho, irremediavelmente ao encontro de "my cup of tea". Chegando a minha casa, o motorista parou o taxímetro: R$11,55. Tirei doze reais em notas de minha carteira. Como detesto moedas - e, por acaso, estava cheio de moedas pequenas, mas que não somavam 55 centavos - disse ao taxista que podia ficar com o troco. Daí o "keep the change, Charlie", dito por Velma Kelly ao taxista que a levou ao cabaré onde cantou "All That Jazz" antes de ser presa, em Chicago. E então, o momento "cup of tea": o taxista se mostrou extremamente satisfeito com aqueles quarenta e cinco centavos que eu lhe deixava de gorjeta. Tudo bem, realmente é uma gorjeta apreciável para um taxista - um povo que raramente deve conseguir mais que R$0,20 de gorjeta. Mas quantas vezes eu não deixei até cinqüenta centavos de gorjeta a um taxista e ouvi somente um "muito obrigado" em agradecimento. Pois esse taxista foi além! Era um senhor de certa idade, óculos de um grau respeitável (o famoso "fundo de garrafa") e uma leve surdez (que quase não deixou minha amiga descer no lugar onde queria). Ele ficou tão feliz com a gorjeta que logo disse que aquilo lhe renderia um "cafezinho". E mais: para agradecer, não se deteve no "muito obrigado". Não, ele disse algo que era a última coisa que eu esperava ouvir. Algo que normalmente deixa as pessoas levemente decepcionadas quando lhes é dito. Mas que em minha atual situação [às vésperas de um transplante de medula óssea], era de um valor inestimável. Ele disse "Deus lhe pague". Eu estava saindo do carro e ele ainda me agradecia. Nunca antes tinha visto alguém ficar tão feliz por ganhar quarenta e cinco centavos. Quantos mendigos reclamam quando ganham um real inteiro... E esse taxista ficou feliz por ganhar quarenta e cinco centavos, que investiria em "a cup of coffee" - afinal de contas, estamos no Brasil!
A parte realmente comovente disso tudo foi que a felicidade dele me contaminou. Sem querer, eu tinha dado um momento de alegria a um ser humano. Somente fui me dar conta disso ao ouvir o "Deus lhe pague". E no instante seguinte, ao sentir meu corpo invadido pela alegria do outro, percebi que Deus era rápido no serviço...