domingo, 9 de agosto de 2009

Música para os meus ouvidos

"Wild horses couldn't drag me away"
(Rolling Stones, Wild Horses)

Confesso que não me lembro, mas dizem que umas das primeiras coisas que aprendi a falar foi "Freddie", "Brian", "John" e "Roger Taylor". Culpa de uma camisa com os rostos dos quatro integrantes do Queen que minha mãe tinha. Dizem que ela ficava brincando comigo, apontando um ou outro e eu ia dizendo o nome. Bem, quem conhece o gosto musical de minha mãe sabe que não poderia ter sido diferente.

No Natal de 1988, minha mãe me fez a seguinte pergunta: "o que você prefere ganhar de Natal: uma bateria ou um Ferrorama?". Sabia perfeitamente bem o que era uma bateria: nessa idade, já flertava com o instrumento, em constante exposição numa loja de instrumentos musicais pela qual passava com frequência. Mas o que diabos era o tal de Ferrorama?! "É um trenzinho que anda sozinho", explicou-me minha mãe. A escolha acabou sendo um divisor de águas em minha vida. Lembro que fiquei em dúvida por alguns minutos antes de responder. De um lado, era a bateria, o instrumento musical que me chamava mais a atenção que as comentadas guitarras. Do outro, um brinquedo desconhecido, mas que parecia fazer coisas maravilhosas. A única certeza é que eu ia ganhar um deles. Os Beatles e os Rolling Stones não foram fortes (ou selvagens) o suficiente para me arrastar: escolhi o Ferrorama.

A partir daí, o ferromodelismo foi meu sonho de infância. Quando saía com minha mãe, o andar de brinquedos da DelCenter (hoje, Magazine Luiza) era parada obrigatória para admirar as maquetes de trens elétricos. Não tinha espaço para aquilo em casa. Os encaixes dos trilhos do Ferrorama logo foram quebrando devido ao frenético "monta, desmonta". E em meio a isso, o desejo de ter uma bateria desapareceu.

A música, no entanto, não. Cresci ouvindo Beatles, dividindo espaço com Titãs e Cazuza. Mas se o futuro promissor na música já tinha começado a desaparecer com o Ferrorama, o golpe fatal veio em 1995, com o CMJF. De alguma forma, simplesmente parei de ouvir música. Desconfio que fui a única criança de 12 anos de idade que não deu a mínima para os Mamonas Assassinas... E depois disso, para Legião Urbana, Skank, Jota Quest... Só bem lá no final do Ensino Médio, comprei um CD: o acústico do Capital Inicial. Aí, então, comecei até a ouvir rádio - decepção foi o dia em que, inocentemente, sintonizei 93,5MHz e descobri que a Transamérica tinha virado rádio evangélica. Até achei que era rádio pirata! Conheci Nirvana, Pearl Jam, Foo Fighters, Guns N' Roses, Red Hot Chili Peppers, Iron Maiden, Linkin Park...

Um belo dia, estava eu a passear com minha família no Carrefour. Então, deparei-me com este CD. O nome "Dire Straits" não me era estranho... Sabia estar associado a música de alta qualidade. E também a um cara que alguns de meus colegas tinham como um "deus" da guitarra: um tal de Mark Knopfler... Não conhecia nenhuma música. Ao fim de Sultans of Swing (aliás, Paula, por que não tem essa música no DVD, hein?), o presidente vitalício do limbo da moda tinha ganho mais um fã. Daí para Eric Clapton e Pink Floyd foi um pulo. Tinha encontrado o tipo de música que mais me agradava.

De lá para cá, o que fiz foi escavar o eMule atrás de coisas "do tempo da minha mãe": Simon & Garfunkel, Bob Dylan, Led Zeppelin, U2, The Police etc. Também recuperei os elos perdidos da Legião Urbana e outras bandas nacionais. Ultimamente, no entanto, tenho descaradamente fechado meus ouvidos para o que aparece no cenário musical. Por quê? Falta de expectativa, descrença mesmo. As músicas que ouvi na minha infância tinham quase trinta anos de idade e ainda soavam atuais. Faz dezoito anos que escutei Revolution pela primeira vez. Nunca enjoei, nunca senti vontade de passar para a próxima faixa. Mas o sucesso de hoje é quase completamente esquecido dentro de um ou dois anos. Música parece ter virado coisa descartável. Qual será a próxima "melhor banda de todos os tempos da última semana"?

quarta-feira, 24 de junho de 2009

Paraquedismo

"Caí de um avião sem paraquedas"
(James Bond, 007 contra o foguete da morte)

A 3500m de altitude, seus únicos companheiros de verdade eram o frio, o medo e um bom paraquedas. Chegou à porta do avião e olhou para fora: nuvens e um profundo céu azul. Jogou-se, partiu rumo ao inevitável. Não porque um cara chamado Isaac Newton estava certo ao dizer que "tudo que sobe, desce", mas porque a descida era o necessário. Não estava voltando; somente indo.

No início, só conseguia pensar na coragem que teve em dar o impulso inicial. As memórias relativas aos primeiros segundos do salto jamais lhe voltariam - dir-se-ia que nem vieram. Aos poucos, porém, foi dando conta da realidade da queda e da liberdade que ela significava. Podia fazer praticamente o que quisesse - menos voltar atrás. Surgiu-lhe a primeira questão: o que fazer com tamanha liberdade?

Lá de cima, fixou um alvo no solo e se movimentou de acordo a atingi-lo. Abriu o paraquedas. Continuou com uma movimentação calculada em busca do alvo. Agora, porém, conseguia distinguir a paisagem abaixo de si com muito mais clareza - que aumentava conforme descia. Surgiu-lhe a segunda questão: por que aquele alvo?

Pela necessidade de arrumar uma utilidade para a liberdade, definiu um alvo, uma meta. E agora se perguntava por que aquele alvo era melhor que qualquer outro... Analisando friamente, percebeu que, de fato, não havia nada que qualificasse o alvo escolhido como mais ou menos meritório que outro. Outra pessoa que tivesse saltado antes, depois, ou até ao mesmo tempo, poderia, sem perda de generalidade, escolher outro objetivo... Tudo parecia depender bastante das inclinações particulares desenvolvidas no tempo do gozo da liberdade. Tinha escolhido aquele alvo porque, por alguma razão que não tinha se preocupado em achar, lhe pareceu óbvio, plausível, factível e até fácil. Ou mais fácil, pois certo é que se deu conta da variedade de alvos que desde sempre lhe foi apresentada. O mundo inteiro funcionaria assim também, sempre seguindo o caminho que melhor se enquadrava em alguma lógica? É, parecia mesmo ser assim. Mas... E se essa lógica, de repente, mudasse? E se decidisse mudar o alvo para outro lugar? Concluiu que aquele alvo era, sim, melhor que qualquer outro. E o era porque tinha-o escolhido sem influências de outras pessoas. Se tivesse de mudar o alvo, talvez alguém lhe censurasse. Mas no fundo, tudo que lhe importava era sua própria opinião...

O solo se aproximava e era cada vez mais curto o tempo para tomar uma decisão. Se atingisse o alvo, poderia considerar seu objetivo cumprido? E se não o atingisse: haveria frustração? Subitamente, a resposta lhe veio: não, não haveria frustração. Porque, na vida, tudo tem o exato valor que lhe atribuímos. Nem mais, nem menos. Aterrisar aqui ou lá pouco importava. O salto como um todo tinha dado ao pouso seu devido tamanho: o de mero detalhe. "Conosci te stesso".

sexta-feira, 1 de maio de 2009

O Penico das Lembranças

"Abençoados sejam os esquecidos, pois tiram o melhor de seus equívocos"
(Nietzsche, Além do Bem e do Mal)

Outro dia, ao comentar com meu amigo e "leitor padrão" deste blog, Fábio Fortes, que, num espaço chamado "Jarro de Memórias", todo texto deve conter uma lembrança, me dei conta de que nunca antes tinha explicado isso a qualquer pessoa. O que é curioso, pois noto que a primeira publicação de vários dos blogs que acompanho tiveram por finalidade explicar o porquê da criação do mesmo. Mas não este. Antes de, finalmente, prover tal justificativa, devo dizer que relutei muito em criar um blog. Isso porque, desde agosto de 2000, mantenho um "diário". E isso já supre minha necessidade de fazer download de meus pensamentos para algum lugar - conceito semelhante me foi apresentado, anos depois, por J. K. Rowling, na forma da maravilhosa penseira de Dumbledore. Assim, criei o blog para dividir algumas de minhas lembranças com meus amigos e leitores ocasionais, para que tomassem contato com alguma experiência que achei válida, refletissem sobre ela e formassem uma (ou reformassem sua) opinião sobre o assunto. O nome "Jarro de Memórias" veio de uma carta do card game Magic: the Gathering: Jarro de Memória - que não é só uma das minhas cartas favoritas, como também uma das mais poderosas (e poéticas!) do jogo. Mas talvez nada disso tivesse realmente acontecido se não fosse o sonho que tive na noite de 14-15/03/05. O que farei nos próximos parágrafos é tentar descrevê-lo, simplesmente. Então, paciência: é um sonho!

Ao som de Brain Damage - Pink Floyd

Não sei bem como o sonho começou, mas lembro que, em algum momento, eu estava, com meu pai, na esquina da rua Américo Luz com a avenida Governador Valadares (bairro Manoel Honório). Na verdade, não cheguei a ver meu pai em momento algum... Bem, fato é que, de alguma forma, soube que meu inimigo nos sonhos de infância estava de volta e tinha sequestrado meu pai. Como eu sabia se tratar do Penico das Lembranças - de quem nutria imenso e verdadeiro ódio -, logo fiquei preocupado. Sabia que meu inimigo era uma planta carnívora gigante, mutante, que tinha crescido em um vaso sanitário e se alimentava de pessoas. Ou melhor: conforme refleti depois de acordar, se alimentava de minhas lembranças. Tendo eu percebido que meu pai havia sido arrastado para um beco na rua Américo Luz próximo ao cruzamento onde estava, tratei de correr para lá a fim de salvá-lo. Mas foi em vão: tão logo a fantástica planta mutante percebeu minha intenção, parei de ouvir os gritos de meu pai. E logo as partes que mostravam que meu inimigo era uma planta gigante sumiram, ficando apenas o sinistro vaso sanitário branco, que desceu do alto de um prédio e me encarou. Detalhe: o vaso falava! E ameaçou me devorar também. Agindo meramente por defesa, apontei meu dedo indicador em direção ao vaso e fiz o movimento como se estivesse disparando uma arma. Ouviu-se o barulho de um tiro e uma bala "saiu" de meu dedo, atingindo o chão bem no lugar onde o Penico das Lembranças estava - estava, pois o bendito "pulou", esquivando-se do tiro. Em momento algum pensei em vingar meu pai ou que, destruindo o Penico, poderia trazê-lo de volta - agia num misto de ódio e defesa.

Então, começou a batalha entre eu e o Penico das Lembranças, que saltava de prédio em prédio, esquivando-se de meus tiros de uma forma que faria inveja até ao Neo, de Matrix. Persegui-o ferozmente até perdê-lo de vista. Mas não por muito tempo, pois logo o cenário mudou e me vi no terraço de casa. Até então, a batalha só tinha servido para provar que o Penico era muito resistente e ágil - principalmente por ser mutante e poder assumir diversos tamanhos, do microscópico ao gigantesco. No terraço de minha casa, fui avisado por minha mãe que o Penico estava, em tamanho microscópico, num tapete verde que estava dependurado na janela. Logo gritei: "então incinere esse tapete!". Sim, nesses termos! E quando minha mãe chegou com o fósforo acesso, disse-me que o Penico já tinha saído do tapete. Então, ele pulou no terraço e assumiu a forma que tinha quando lhe dei o primeiro tiro. Estava tão ameaçador e bem disposto a me devorar como da outra vez. Disse-me ele que já tinha dentro de si mais de oitocentas pessoas. Por alguma razão, ao ouvir isso, pensei no Orkut. O Penico agora tentava me convencer a me juntar àqueles que já estavam em seu interior. Dizia-me que eu seria apenas mais um. Rebati dizendo que ele dava muita importância a mim. De fato, naquele momento me dei conta que o Penico não estava atrás de minha mãe (poderia tê-la devorado enquanto estava no tapete, mas não o fez), mas de mim em especial. E isso só podia ser porque eu tinha alguma importância para ele. Tentei destruir o Penico das Lembranças de todas as formas imagináveis. Dei tiros e até tentei segurá-lo e batê-lo contra o muro do terraço na esperança de quebrá-lo. No fim, o jeito que encontrei para me ver livre do sinistro Penico foi acordar do sonho - que não tinha sido nada engraçado.

Foi aí que, num repente, dei nome ao sonho: "Penico das Lembranças". A primeira pergunta que me fiz depois foi: por que "Penico" se era um vaso? Realmente, deveria ser "Vaso das Lembranças"... Mas decidi manter Penico, pois era incrivelmente inusitado e irônico. Afinal, o que é um vaso sanitário se não um penico superdesenvolvido com alguns adicionais? Depois de refletir se o fato de o devorador de minhas lembranças ser um monstro conhecido como "Penico" era uma espécie de autocrítica super-ácida, fiquei pensando em formas de derrotá-lo e que consequências isso teria.

A conclusão é que foi interessante. Minha batalha era por salvar minhas lembranças. E a isso o diário servia bem: a menos que o Penico se transformasse em vírus de computador, minhas memórias estavam salvas! No entanto, nessa tentativa desesperada, passei por cima do valor inestimável do esquecimento de algumas coisas. A ideia é bem Brilho Eterno De Uma Mente Sem Lembranças: o poder de editar a memória. Daí me veio a pergunta: como seria se pudéssemos nos lembrar apenas do que nos agradasse? Creio que chato. Tão ruim quanto se lembrar de tudo em detalhes. A meu ver, todo tipo de experiência é válida e melhor fazemos em tentar nos entender com nossos "traumas". Claro que fazer um mapa de como a memória se organiza seria maravilhoso para tratar vícios e doenças como a esquizofrenia. Mas daí a selecionar lembranças para ficar guardadas e outras a serem excluídas... Acho que perderia a graça: o bom da nossa memória é que a gente ainda não descobriu onde fica o delete - ou a cordinha da descarga...

sábado, 11 de abril de 2009

Silêncio

"Quando dizem meu nome, não sou mais. Quem sou eu?"

Quando eu era criança e até nos tempos de adolescência, falava pouco. Não tinha sequer o charme de uma voz rouca ou palavras sábias para compensar isso. Em geral, quando reflito sobre o que falei naquela época, percebo que falei para preencher lacunas - e que nada disse que fizesse alguma diferença. No entanto, a despeito da desconfiança velada de que meu silêncio significava falta de opinião, e talvez até de forma meio irônica, fato é que as pessoas me consideravam "gente fina", no sentido de tranquilo, bacana. Mas não exatamente interessante. Era o tipo de cara bom para completar time em peladas, mas não para formar "time" em baladas. Talvez percebendo isso, talvez só incomodados com minha mudez, o povo do Colégio me aconselhava a falar mais, a expor minhas opiniões.

Lembro-me de ter feito isso uma vez. Foi em 1996, na 6ª série, durante uma sessão da S.O.E. (Serviço de Orientação Educacional). Sabe-se lá porque, as psicólogas da futura "Sessão Psicopedagógica" (e sabe-se lá que nome tem hoje) acharam interessante pedir para aquelas crianças de 12-13 anos de idade escreverem em um pedaço de papel uma pergunta no seguinte formato: "você tira o chapéu para 'insira aqui seu assunto polêmico' ?". Quando abri o papelzinho e li "virgindade antes do casamento", fui acometido por uma vontade quase incontrolável de sair correndo da sala. Lembro que as perguntas anteriores tinham sido sobre coisas bem mais simples, que eu me sentiria bem mais à vontade de responder. Por que o Neves tinha que escrever aquela pergunta e por que o papel acabou vindo parar na minha mão após o sorteio, são questões que talvez se encontrem além de qualquer conjectura. Só de ler a pergunta para a turma, sorrisos de excitação e olhos faiscantes se abriram à minha frente: o cara mais fechado do mundo ia dar sua opinião num assunto que envolvia uma coisa misteriosa chamada "sexo" e outra ainda mais misteriosa chamada "casamento". O Rafael de 12 anos de idade disse em alto e bom tom, para quem quisesse ouvir, que até achava bacana "se guardar" para alguém que considerava especial, mas que caso se sentisse confiante para perder a virgindade antes do casamento, que mal haveria? Cabelos se arrepiaram, um autêntico urro de satisfação e incredulidade ecoou por toda a sala. Quem apostaria que aquele garoto caladão - numa época em que ser assim era meio démodée - simplesmente ia dizer, nas entrelinhas, que o casamento (subentendido como uma cerimônia oficial, geradora de um papel em que vem escritas as palavras "certidão de casamento") era uma prova que o amor verdadeiro torna desnecessária? Não me coloquei contra o casamento, no entanto. Acho a cerimônia muito bonita, mas não é - ou não deveria ser - ela que aumenta ou diminui o amor que uma pessoa sente por outra. Só bem depois é que percebi que minha sincera opinião era, por coincidência, justamente o que a turma dos descolados queria ouvir. A psicóloga me lançou um olhar esquisito enquanto eu ria da vibração da turma. Decidi ser mais prudente e conservador ao expor minhas opiniões. Mantive a boca fechada pelos cinco anos seguintes.

Nos tempos de graduação, fui me soltando aos poucos. De toda forma, continuei com a imagem do sujeito caladão, até misterioso. Mas é que aí comecei a adotar uma tática levemente diferente. Comecei a tentar conversar sem falar e ouvir sem escutar - a ideia de perturbar o som do silêncio nunca me agradou muito. O resultado foi desastroso. A dita "percepção feminina" deu mostras seguidas de não passar de uma lenda. Em certo sentido, posso mesmo dizer que meus amigos homens me compreendiam melhor que as minhas amigas.

Já no doutorado, decidi mudar de tática novamente. Comecei a falar, mas não a me explicar. Queria ver se as pessoas faziam como eu e tentavam ver cada situação sob todos os ângulos possíveis antes de formar uma opinião. Não fazem. Ou melhor: poucas fazem. Muito poucas mesmo. O resultado foi catastrófico: as pessoas passaram a formar opiniões quase maldosas de minha pessoa. Boa parte disso se deve, é claro, a estratégia que usei para expor minhas opiniões. Mas acabou-se por formar um maldito rótulo, que levou a preconceitos, desconfianças e conclusões precipitadas - além de revelar orgulhos insuspeitos. Eu podia ter a melhor das intenções que era visto como esnobe e coisas ainda menos nobres.

Estimulado a falar, o sempre quieto e bem quisto Rafael se transformou num desagradável orador. As pessoas reclamavam de eu não falar. E agora reclamavam de como eu falava! A meu ver, aquilo era querer demais. Era como ser "preso por ter cão" e "preso por não ter cão". Ou de forma ainda mais precisa, a situação me lembrava o mito do nó górdio: Alexandre da Macedônia resolveu o intratável problema do nó que ninguém conseguia desatar com o nada convencional expediente de parti-lo ao meio com sua espada.

Enquanto torrava os miolos pensando num meio de desatar o bendito nó que me era apresentado, uma estranha solução preparava sua aparição. Sorrateira, a doença que corroeu meus dias de 2005 a 2007 voltava: o silêncio crescia como um câncer... E agora, à mera menção de um problema tratável, mas potencialmente doloroso, tudo se ajusta novamente. No hay banda!

domingo, 15 de março de 2009

"Who watchs the Watchmen?"

"À meia-noite, os agentes e super-humanos saem
pra prender todos que sabem mais do que eles"
(Bob Dylan, Desolation Row)

No último dia 6, chegou aos cinemas a adaptação da graphic novel tida como a obra-prima do roteirista Alan Moore: Watchmen. A despeito do fato de que aguardava ansiosamente o lançamento desde outubro do ano passado, pus-me a pensar: como tem aparecido filmes baseados em quadrinhos ultimamente! Três filmes do Homem Aranha, dois do Batman (sem contar os quatro "antigos"), dois do Quarteto Fantástico (com direito ao Surfista Prateado pegando uma onda no segundo), um "revival" do Superman, Homem de Ferro, três X-Men e vindo um contando a origem do Wolverine... Nesse meio, como imaginação pouca é bobagem, o Hulk veio parar em plena Favela da Rocinha com direito ao FBI subindo o morro - inveja do BOPE? Claro que isso não podia dar certo: o verdão "Dr. Jekyll and Mr. Hyde" moderno conseguiu a façanha de, duma cena pra outra, saltar do Rio de Janeiro direto pra Guatemala! Não fosse uma tremenda burrada, seria tão genial quanto o famoso corte de Kubrick em 2001: Uma Odisseia no Espaço! Mas o que me chamava a atenção é que eu, em minha quase total ignorância do universo (ou, em alguns casos, multiverso) das HQ, já tinha ouvido falar em praticamente todos esses citados aí em cima. Watchmen, junto com Constantine, A Liga Extraordinária, V de Vingança, Sin City e 300, entra num outro grupo: os menos conhecidos. Ou melhor: conhecidos pelos "iniciados", pelos frequentadores de lojas especializadas.

Quando criança, me deleitava com os gibis da Turma da Mônica e Duck Tales. Na adolescência, escolhi não partir para as óbvias HQ de super-heróis ao recusar solenemente o conselho do jornaleiro para comprar "A Morte do Superman". Então, aceitei que meus heróis ou morreriam de overdose, ou seriam ganhadores do Nobel. Um cara que se veste como morcego? Outro que usa a cueca por cima da calça? Eles não fariam parte da minha vida. Seriam apenas um capítulo vago, uma visão distante. Mas eis que, de repente, surge uma oportunidade de "tirar o atraso": depois de anos de conversa, finalmente ia sair um filme do Homem Aranha... Beleza! Pra que ler aquele montão de revistinhas? Se esse filme desse certo, lançariam mais um monte de filmes de super-herói. E aí, Saga do Clone, A Piada Mortal, Crise nas Infinitas Terras, Marvel vs DC, hã? Fui ao cinema feliz da vida: toda a adolescência que eu teria passado em cima daquelas revistinhas ia ser comprimida em duas horas de ação hollywoodiana!

Só que eu não contava com um detalhe. Meu futuro reservava uma amizade com uma pessoa "do outro lado", alguém que adora HQ, mangás, animê etc: a Fernanda. Depois de não conseguirmos ir ver Homem de Ferro juntos, fomos a'O Incrível Hulk e Batman - O Cavaleiro das Trevas. O escorregão bizarro do Hulk acabou com qualquer chance de uma análise séria do filme. Mas o que me chamava a atenção era a análise que Fernanda fez do Cavaleiro das Trevas: sabe a aclamadíssima atuação de Heath Ledger? Fez muito o gosto dela não... "Funcionou dentro do filme", disse ela, da mesma forma como eu tinha achado que a de Jack Nicholson tinha funcionado no filme de Tim Burton. "É porque você não leu A Piada Mortal. Aí você ia entender o Coringa...". Percebendo o vazio que era meu suposto conhecimento sobre super-heróis, ela decidiu me emprestar um verdadeiro tesouro: todos os doze capítulos da série Watchmen - que, até então, eu simplesmente nem tinha ouvido falar! Li a graphic novel, achei-a brilhante em roteiro e desenho (melhor que muito livro!), mas não sabia que o filme estava sendo preparado. Ela já. E assim, no último dia 12, fui ao cinema para, pela primeira vez, ver um filme de super-herói com conhecimento da história original. Faltou a Fernanda ir junto... Mas isso até teve um lado interessante: não me concentrando tanto no filme, olhei para as pessoas.

E foi aí que eu entendi porque tinha gostado dos outros filmes desse tipo que já tinha visto. Porque quem vai assistir aos filmes de super-herói não é só quem já leu as histórias, mas principalmente quem nunca as leu. É por isso que acontecem mudanças que, muitas vezes, os fãs de HQ consideram imperdoáveis. Às vezes, como no caso de Watchmen, a mudança cria buracos no roteiro e prejudica o filme - a meu ver, o filme não é autocontido, o que eu acho primordial em qualquer obra cinematográfica. Em outros casos, a saída é diferente: trabalhar não a história, mas o personagem, como foi muito bem feito em Homem Aranha 2. O problema é que quem não leu as histórias originais não se dá conta disso. E sai do cinema achando que sabe tanto quanto o "esquisitão" que as lê há anos... Daí, quando pessoas desses dois "mundos" se encontram para discutir o filme, às vezes acontece uma situação parecida com a sugerida pelo Coringa de Heath Ledger: o encontro de uma força que não pode ser parada com um objeto que não pode ser movido. Alguém que usa argumentos de autoridade e alguém que usa argumentos como autoridade... Problema? Bem, se quem já conhecia as histórias assumir que a mera transposição dos quadrinhos para as telas não seria tão interessante quanto algo novo, um problema resolvido. E se quem não conhecia as histórias originais se animar a conhecê-las, então tudo bem. Bom senso, humildade e...

Cada macaco no seu galho
Chô, chuá
Eu não me canso de falar
Chô, chuá
O meu galho é na Bahia
Chô, chuá
O seu é em outro lugar...

sábado, 7 de fevereiro de 2009

Educação Má

Não fiz Licenciatura em Química apenas como salvaguarda para o caso de não conseguir algo interessante com o Bacharelado - coisa que muita gente fez. Porque desde o dia em que Fábio e Márcio me flagraram com um giz na mão "dando aula" em uma das salas do ICE (isso em dezembro de 2002, pouco antes do recesso/férias, eu estava estudando com colegas da turma de Laboratório de Inorgânica I), comecei a cogitar a possibilidade de exercer aquele ofício profissionalmente. Nunca tive, é verdade, a intenção de dar aulas para Ensino Médio, nunca tive paciência com bebês, crianças e adolescentes. No entanto, sempre considerei a falta de didática de vários professores do curso de Química da UFJF um dos pontos chave para a explicação do desempenho dos alunos nas avaliações das diversas disciplinas - e por fim, no ENADE. Por isso, para ser um professor melhor que aqueles com quem tive contato, decidi mergulhar de cabeça nas disciplinas da Licenciatura - foi uma decepção. Na teoria, o behaviorismo é horrível; na prática, é, talvez, o único que funciona! Em tempo: no Brasil.

Sempre me perguntei por que uma teoria tão batida, tão criticada, ainda era amplamente aplicada nas salas de aula brasileiras. A resposta era aquela que explica porque as coisas duram: "porque funciona". Mas... por que funciona? Numa sociedade consciente, uma abordagem puramente comportamental, que coloca alunos em posição semelhante a ratinhos que aceitam levar choques em troca de comida, deveria gerar grande indignação, repúdio - vide o clipe de "The Happiest Days Of Our Lives+Another Brick In The Wall - Part II" e/ou Laranja Mecânica. Tudo, menos funcionar!

A razão de funcionar é porque o Brasil sofre, desde sempre, de um enorme problema educacional. Não, o problema não está só nas escolas! Ele vem de dentro das casas, da educação que os pais dão aos filhos, da educação que a sociedade dá a seus membros. Funciona porque aprendemos desde cedo que a casca é mais importante que a polpa, que o comportamento é mais importante que o ser em si. Não é só um problema de má educação, mas de educação má, que valoriza o errado, o mal, o mau. Nessas condições, nem sei dizer o que aconteceu com a noção de civilidade: se foi a tal ponto deturpada, se nunca chegou a existir de fato, ou se só nunca foi interessante colocá-la em prática.

Lembro-me de um acontecimento do final de 2008. Resolvemos fazer a confraternização de final de ano na área de recreação do prédio de nosso orientador. O churrasco foi caminhando de tal forma que ninguém sentiu falta de música; sem ela, conversávamos mais e melhor. Por volta das quatro da tarde, a churrasqueira ao lado começou a ser ocupada. Os playboys de lá deram uma boa olhada para os nerds de cá e devem ter achado que o clima do nosso grupo estava pesadíssimo. Devem ter pensado que qualquer música iria alegrar o ambiente, que seria quase utilidade pública quebrar o "silêncio". Não demorou cinco minutos para nos levantarmos e irmos embora. O nosso churrasco já estava no final mesmo... O que nos "expulsou" de lá? Diria que nem foi a música (Asa de Águia no último volume), mas a falta de educação e empatia dos brasileiríssimos vizinhos.

De lá para cá, já consegui perceber os efeitos da educação maligna que impera nessas paragens dezenas de vezes, de taxistas cariocas a professores universiotários. E é por isso que gostaria de fechar o texto com uma frase que não é minha, mas que adoraria ter dito: "o pior do Brasil é o brasileiro".


*: Paula Espósito é co-autora deste texto.