domingo, 27 de julho de 2008

Explicando "Lei de Murphy"

Quando escrevi o texto Lei de Murphy, tinha uma intenção: fazer (mais uma) piada sobre a Lei de Murphy. E escrevi apostando que qualquer pessoa, já na primeira leitura, entenderia minha intenção. Evidentemente, havia a possibilidade (hehe) de que algum romântico/carente/apaixonado não entendesse e me atacasse com paus, pedras e, dependendo do estilo da pessoa, flores.

É para os meus queridos leitores que não entenderam minha intenção (ou minha piada) que escrevo este texto: a explicação da mesma. Farei isso através da mensagem que uma amiga me mandou ao lê-lo. Disse ela:

" Esse texto é seu né..... espero mto que vc viva um desastre probabilístico, que ainda te tire do eixo e te faça ver a contradição.... e te faça escrever exatamente o oposto do que disseste... Porque..... a grande magia da coisa está exatamente aí.... todos podem definí-lo, mas ninguem o definiu melhor até hj do q como sua própria contradição..... Desejo, que vc tenha a quem amar.... e qdo estiver bem cansado.... ainda exista amor pra recomeçar....."

Bem, a primeira frase me fez lembrar da razão fundamental pela qual a Lei de Murphy é tida como a perseguidora implacável das 283.545 pessoas participantes da comunidade homônima no orkut: a gente sempre tende a lembrar mais dos momentos que consideramos ruins para nós, aqueles em que nos sentimos ridículos ou coisa assim. Pois bem: eu, como todo mundo, já paguei um baita mico. Foi em 2001, em um horário de almoço no Colégio Militar. Estávamos na sala: eu, Fábio Fortes, Márcio Maffili, Juliana e alguém mais. De repente, Juliana catou um toco de giz e começou a escrever versos no quadro negro. No final, apareceu um soneto. Não colocou título nem nada - só o soneto mesmo. E eu, que, naquela época, também arriscava uns versos e estava até recebendo alguns elogios da profª de literatura (a "Tixa", para quem se lembra), arrisquei uma de crítico literário. E como crítico raramente diz alguma coisa que presta, logo fulminei dois versos: "esses aqui são vazios". Juliana deixou que fizesse minhas críticas, mas depois, com um sorriso malicioso, desenhou um parêntese abaixo do soneto e escreveu "Vinícius de Morais"... Logo ficaria sabendo que aquele soneto que tinha tomado como sendo dela era, na verdade, o Soneto do Amor Total, um dos melhores sonetos de Vinícius de Morais... Daquele dia em diante, nunca mais me atrevi a falar nada sobre qualquer coisa cuja origem eu desconhecesse. E jamais criticar algo que não pudesse fazer melhor. Daí a estranheza que a frase "esse texto é seu né..." me causou: então, se não fosse meu, minha amiga não diria nada?

Embora reconheça que, de longe, a frase que mais chama a atenção em Lei de Murphy é "o amor é um desastre probabilístico", esta não é a frase fundamental do texto - esta é só a piada. A frase fundamental é: "É somente à luz das probabilidades que o amor adquire seu significado sublime", bem no começo do parágrafo da análise. A idéia era mostrar que o amor verdadeiro é uma coisa rara, difícil de ser encontrada - e até por isso, digna de admiração. Como mostrei no decorrer do último parágrafo, os números não favorecem o encontro dos amantes - no fundo, há muito mais modos de um relacionamento dar errado do que dar certo! E é essa a maravilha do amor: ele é uma catástrofe para as probabilidades. Se eu tivesse que apostar se um relacionamento qualquer daria certo ou errado, à luz das probabilidades, logicamente apostaria que daria errado. A maravilha é quando, apesar dos números "jogarem contra", o relacionamento dá certo! Ao se dar conta disso, você provavelmente pára, olha para a pessoa amada, reflete que nunca houve, não há e jamais haverá outra como ela, dá o maior valor a ela e aos momentos que já passaram juntos e, provavelmente, lhe chapa um beijo na boca muito mais consciente da sorte que deu. É nesse momento - em que a razão finalmente dá as caras e não consegue causar destruição - que o amor fica completo.

Mas, afinal, o que é o amor? Pediram-me uma definição. Todo mundo já tentou e ninguém conseguiu definí-lo de forma satisfatória. São tantas as suas facetas que muita coisa acaba podendo ser chamada de amor. Confesso que, certa vez, tentando definir essa coisa indefinível, pensei que a humanidade tinha "convencionado" não saber definir o que é amor simplesmente para poder dizer que muita coisa o é... Definição de amor? Gosto da de Machado de Assis: "a melhor definição do amor não vale um beijo de moça namorada...". Assim como também tenho a maior estima pela que, anos atrás, fiz em pleno auge de uma paixão:

O Amor não é definível. O Amor é calor, é calafrio, é admiração, é medo, é insegurança, é timidez, é dúvida, é atrapalho, é vontade, é receio. Amor não se define, se sente. E se sabe quando se sente. "Ninguém lhe diz que está apaixonado, mas você sabe que está". Então, estar apaixonado deve ser algo como uma crença: eu acredito que estou apaixonado e pronto. Eu me convenço que amo alguém. O Amor preexiste ao Amor. Nunca nos damos conta do momento em que começamos a amar. É um momento tão sublime que desligamos do mundo, esquecemos do tempo e queremos simplesmente ver, ouvir, cheirar, tocar, falar... pensar não! Somente depois, relembrando o bom momento, pensamos e nos damos conta, por força do hábito, de que nos apaixonamos. O Amor é construção.

Convenhamos que só alguém que estava vivendo um "desastre probabilístico" de "tirar do eixo" poderia escrever uma coisa dessas! É óbvio que, nesse contexto, o correto seria definir o amor como um "milagre probabilístico", mas aí não tinha piada... A conta ia ser exatamente a mesma, mas ninguém ia abrir um sorrisinho sequer...

Moça-que-me-mandou-a-mensagem: lembre-se de Oswald de Andrade:


Amor

humor

terça-feira, 22 de julho de 2008

Lei de Murphy

Outro dia, estava vendo o episódio piloto do seriado Dead Like Me - A morte lhe cai bem e me deparei com uma passagem muito interessante, em perfeita harmonia com o que estava pensando desde que acordei. A personagem principal, Georgia, fazia uma reflexão: "A vida me ensinou que interesse gera expectativa, e que expectativa gera decepção. Então a chave para evitar a decepção é evitar o interesse. A é igual a B, que é igual a C, que é igual a A, sei lá... Também não tenho interesse em ser uma pessoa boa ou má. Pelo que eu vejo, de qualquer jeito, você está ferrado. As pessoas más são punidas pela Lei da sociedade (cena de um ladrão sendo fuzilado pela polícia). E as pessoas boas (cena de uma mulher caindo da cerca onde tinha subido para tirar um gato da árvore) são punidas pela Lei de Murphy".

Momentos antes, estava pensando em algo que achei curioso. A Teoria da Relatividade tem seus limites de validade. A Física Quântica também. Não são completamente compatíveis uma com a outra. Existem situações que devem ser tratadas sob o ponto de vista relativístico e existem situações que devem ser tratadas sob o ponto de vista quântico. O que se sabe é que nenhuma das duas descreve a natureza perfeitamente. Chega uma hora em que não dá mais para aceitar uma delas e deve-se partir para a outra. Bem, o ponto é: são teorias extremamente abrangentes, mas nem de longe são incontestáveis. Coisa que a Lei de Murphy parece ser... E talvez esse seja seu aspecto mais sinistro: pior que as máximas "se existe a possibilidade de algo dar errado, dará" e "nada está tão ruim que não possa ser piorado" é a noção de que isso vale sempre, independente das peculiaridades da situação, da casca de banana no chão às balas "perdidas" nas favelas cariocas.

A Lei de Murphy é, essencialmente, uma lei probabilística. Ou melhor: é a Lei das Probabilidades. É ela que determina a probabilidade de um evento ocorrer ou não. E como a natureza se comporta dessa forma - ponto comum entre Relatividade e Quântica - é, no fundo, a Lei de Murphy que melhor a descreve. As piadas relacionadas decorrem do egocentrismo humano. Infortúnios cotidianos normalmente atribuídos à ação nefasta da Lei de Murphy são facilmente explicados quando observados do ponto de vista das probabilidades. "Ah, entrei na fila lenta no supermercado". Bem, quantas filas existem em um supermercado? Normalmente, várias. E somente uma pode ser a mais rápida. Logo, todas as outras são, comparativamente, filas lentas... Azar mesmo seria entrar na fila mais lenta! Mas é claro que só um cego vai achar que a fila rápida será aquela em que o típico "tiozão do churrasco" - aquele senhor de cabelos grisalhos, com uns "quilinhos" a mais extremamente mal-distribuídos, que, especialmente às vésperas de feriado, enche o carrinho de picanha, cerveja e demais apetrechos para churrasco; e "x" vezes em dez, para a compra com várias notas de R$10,00, frutos óbvios do rateio dos custos com vários amigos, todos quase tão folclóricos quanto ele próprio - segue o jovem pai-de-família fazendo as compras do mês com a esposa e o filho pequeno.

Mas se o problema fosse apenas essas situações que a Matemática tão gentilmente estampa nos exercícios de seus livros ("se um hotel tem três portas de entrada e dois elevadores, de quantas formas diferentes um hóspede pode chegar a seu quarto?"), nem estaria tão ruim assim. O problema é que a Lei de Murphy consegue o quase impossível: atribuir números para coisas que, normalmente, não são quantificadas. Tomemos, por exemplo, o amor.

É somente à luz das probabilidades que o amor adquire seu significado sublime. Para começo de análise, deve-se focar em um indivíduo qualquer. Esse perfeito fulano tem seus gostos próprios, suas preferências. Assim, é natural que se sinta atraído por determinado tipo de pessoa. Ora: assim como ele, as outras pessoas também têm seus gostos. Há uma probabilidade - e apenas isso - de que, entre as pessoas que atraem nosso fulano, exista uma beltrana que se sente atraída pelo tipo de pessoa que ele é. Calcular isso é, a priori, muito simples: o universo é o conjunto das pessoas pelas quais ele se sente atraído e o numerador é o número de indivíduos desse conjunto que se sentem atraídas pelo tipo de pessoa que o fulano é. O problema, é claro, é saber o numerador e o denominador. Por dois motivos. Primeiro porque, para não usar nenhuma aproximação, o conjunto universo do problema deve contemplar todo e qualquer ser humano que reúne as características pré-definidas como atrativas ao nosso fulano - sim, a menos que você tenha algo contra as asiáticas, a China é um problema. Isso pode ser solucionado assumindo que, para efeitos práticos, pode-se simplesmente fazer uma amostragem séria - e não tendenciosa, como as pesquisas eleitorais divulgadas por alguns periódicos de qualidade duvidosa... O segundo problema é conhecer suficientemente bem os indivíduos da amostragem para saber que tipo de pessoa os atrai. Além disso tudo, há ainda o patente problema de duas pessoas com esses gostos em comum encontrarem um ao outro, se conhecerem melhor e não descobrirem nada que considerem repugnante no outro. Então, as probabilidades do problema são três: primeiro, a probabilidade de encontrar um ser humano que atraia o nosso fulano; depois, a probabilidade de, entre os seres humanos pelos quais ele se sente atraído, existir um que se sinta atraído por ele; e por fim, a probabilidade de esses dois sujeitos se encontrarem e etc. Como os eventos são dependentes um do outro, a probabilidade total é o produto das probabilidades individuais. Ou seja: encontrar o "amor da sua vida" é quase como ter a Lei de Murphy agindo sobre si mesma, provocando um desastre em suas próprias probabilidades. Meu Deus: o amor é um desastre probabilístico! É mais fácil topar com um raio que com sua alma-gêmea! "Jogue suas mãos para o céu/ Agradeça se acaso tiver/ Alguém que você gostaria que/ Estivesse sempre com você/ Na rua, na chuva, na fazenda/ Ou numa casinha de sapê"!