terça-feira, 9 de setembro de 2008

Momentos

"Lembro-me de levantar certa manhã ao amanhecer. Havia tamanha sensação de possibilidade, sabe essa sensação? Eu me lembro de ter pensado: Este é o início da felicidade. É aqui que começa. E, sem dúvida, sempre haverá mais. Nunca me ocorreu que não era o começo. Era felicidade. Era o momento. Naquele exato momento."
(
As Horas)


Há algum tempo, tenho esbarrado nessa passagem. O filme é bom, o livro que lhe deu origem é super-premiado, há zilhares de passagens memoráveis e tal. Mas essa daí em especial... Na voz de Clarissa Vaughan (personagem de Maryl Streep) assumiu um tom de axioma: felicidade é isso e pronto. No entanto, por mais bela e reconfortante que seja, nunca me senti perfeitamente à vontade com ela. E para explicar a razão disso, peço licença para parafrasear o trecho acima:

Eu me lembro de uma noite em que Fábio, Janaína e eu resolvemos lanchar na esquina da Santo Antônio com a Rei Alberto. A limonada suíça veio terrivelmente amarga. Sabe quando a limonada passa do ponto? E lembro que Fábio e Janaína reclamaram do refresco, pediram mais açúcar e até água para o diluírem. Eu estava conformado. Janaína, então, disse que minha postura era felicidade. Não era o momento, mas o conjunto. A felicidade, afinal, era algo sereno, constante.

Essa foi a primeira vez que pensei na felicidade dessa forma. A outra vez foi em uma conversa que tive com meu orientador de doutorado... Estava ele, basicamente, reclamando da não-constância na velocidade com que meus resultados aparecem. Segundo ele, isso passa a impressão de que há momentos em que eu trabalho mais e momentos em que eu diminuo o ritmo. Cansaço? Sim... Mas poderia ser um certo "marasmo" também, despreocupação. Até seria justificado pelo que passei ano passado. O que realmente, admito, gera uma sensação daquilo que chamo felicidade. "Essas coisas pequenas... Esses probleminhas que não farão grande diferença se forem resolvidos ou não... Nada disso me importa. Só me importo com aquilo que realmente ameaça meu objetivo de vida".

Um momento, por favor, porque apareceram várias palavras-chave no trechinho acima: diferença, importa, objetivo e vida. Tenho escutado, com freqüência, pessoas dizendo coisas como "eu nasci para ser feliz". Não sei se é porque, mesmo sem me considerar religioso, sempre levei o Eclesiastes muito a sério, mas jamais ousei dizer coisa semelhante. Conceitos de felicidade existem aos montes. Cada ser humano mais ou menos "define" suas condições para a felicidade. O que acho muito curioso é que nunca encontrei alguém que se considerasse feliz! Não sabemos o que queremos? Ou será que a felicidade não é mesmo desse mundo?

Entendo a felicidade como um estado de espírito no qual há perfeita harmonia entre o ser humano e o meio que o cerca. Mais uma vez, o problema é o tempo. Se a nossa vida durasse um período de tempo tal que não nos fôsse possível experimentar um infortúnio, um revés, uma tristeza, talvez chegássemos a ser felizes. Como isso não é coisa que se verifique cotidianamente, jamais somos felizes. O nosso riso é, antes, um momento de alegria - essa, sim, a palavra. A vida é, então, constituída de momentos de alegria e tristeza; jamais de felicidade. Felicidade não é um momento!

A princípio, uma solução trivial para viver na felicidade poderia ser pensada como uma seqüência ininterrupta de momentos de alegria. O resultado dificilmente passaria de um filme do tipo Curtindo a Vida Adoidado, algo bem Sessão da Tarde. A pessoa vive um dia de satisfação e depois amarga o famoso comentário: "teve bom". Apenas uma recordação...

Haveria, então, uma solução para essa busca pela felicidade? Bem, desde que querer nunca é poder (se você quer e pode, você faz/tem; se só fica querendo, é porque não pode fazer/ter), acho que não... Mas há, ao menos, uma boa receita para se viver bem, num estado de serenidade quase-perene que eu, particularmente, acho muito bacana. A receita é conhecida da humanidade desde o século IV a.C.: "O sábio procura a ausência da dor, e não o prazer" (Aristóteles). É bacana porque as alegrias não apenas aparecem naturalmente no caminho (sem serem o objeto da busca!) como ainda tendem a ser mais duradouras. E só metade da felicidade, mas já faz um bem...