terça-feira, 22 de julho de 2008

Lei de Murphy

Outro dia, estava vendo o episódio piloto do seriado Dead Like Me - A morte lhe cai bem e me deparei com uma passagem muito interessante, em perfeita harmonia com o que estava pensando desde que acordei. A personagem principal, Georgia, fazia uma reflexão: "A vida me ensinou que interesse gera expectativa, e que expectativa gera decepção. Então a chave para evitar a decepção é evitar o interesse. A é igual a B, que é igual a C, que é igual a A, sei lá... Também não tenho interesse em ser uma pessoa boa ou má. Pelo que eu vejo, de qualquer jeito, você está ferrado. As pessoas más são punidas pela Lei da sociedade (cena de um ladrão sendo fuzilado pela polícia). E as pessoas boas (cena de uma mulher caindo da cerca onde tinha subido para tirar um gato da árvore) são punidas pela Lei de Murphy".

Momentos antes, estava pensando em algo que achei curioso. A Teoria da Relatividade tem seus limites de validade. A Física Quântica também. Não são completamente compatíveis uma com a outra. Existem situações que devem ser tratadas sob o ponto de vista relativístico e existem situações que devem ser tratadas sob o ponto de vista quântico. O que se sabe é que nenhuma das duas descreve a natureza perfeitamente. Chega uma hora em que não dá mais para aceitar uma delas e deve-se partir para a outra. Bem, o ponto é: são teorias extremamente abrangentes, mas nem de longe são incontestáveis. Coisa que a Lei de Murphy parece ser... E talvez esse seja seu aspecto mais sinistro: pior que as máximas "se existe a possibilidade de algo dar errado, dará" e "nada está tão ruim que não possa ser piorado" é a noção de que isso vale sempre, independente das peculiaridades da situação, da casca de banana no chão às balas "perdidas" nas favelas cariocas.

A Lei de Murphy é, essencialmente, uma lei probabilística. Ou melhor: é a Lei das Probabilidades. É ela que determina a probabilidade de um evento ocorrer ou não. E como a natureza se comporta dessa forma - ponto comum entre Relatividade e Quântica - é, no fundo, a Lei de Murphy que melhor a descreve. As piadas relacionadas decorrem do egocentrismo humano. Infortúnios cotidianos normalmente atribuídos à ação nefasta da Lei de Murphy são facilmente explicados quando observados do ponto de vista das probabilidades. "Ah, entrei na fila lenta no supermercado". Bem, quantas filas existem em um supermercado? Normalmente, várias. E somente uma pode ser a mais rápida. Logo, todas as outras são, comparativamente, filas lentas... Azar mesmo seria entrar na fila mais lenta! Mas é claro que só um cego vai achar que a fila rápida será aquela em que o típico "tiozão do churrasco" - aquele senhor de cabelos grisalhos, com uns "quilinhos" a mais extremamente mal-distribuídos, que, especialmente às vésperas de feriado, enche o carrinho de picanha, cerveja e demais apetrechos para churrasco; e "x" vezes em dez, para a compra com várias notas de R$10,00, frutos óbvios do rateio dos custos com vários amigos, todos quase tão folclóricos quanto ele próprio - segue o jovem pai-de-família fazendo as compras do mês com a esposa e o filho pequeno.

Mas se o problema fosse apenas essas situações que a Matemática tão gentilmente estampa nos exercícios de seus livros ("se um hotel tem três portas de entrada e dois elevadores, de quantas formas diferentes um hóspede pode chegar a seu quarto?"), nem estaria tão ruim assim. O problema é que a Lei de Murphy consegue o quase impossível: atribuir números para coisas que, normalmente, não são quantificadas. Tomemos, por exemplo, o amor.

É somente à luz das probabilidades que o amor adquire seu significado sublime. Para começo de análise, deve-se focar em um indivíduo qualquer. Esse perfeito fulano tem seus gostos próprios, suas preferências. Assim, é natural que se sinta atraído por determinado tipo de pessoa. Ora: assim como ele, as outras pessoas também têm seus gostos. Há uma probabilidade - e apenas isso - de que, entre as pessoas que atraem nosso fulano, exista uma beltrana que se sente atraída pelo tipo de pessoa que ele é. Calcular isso é, a priori, muito simples: o universo é o conjunto das pessoas pelas quais ele se sente atraído e o numerador é o número de indivíduos desse conjunto que se sentem atraídas pelo tipo de pessoa que o fulano é. O problema, é claro, é saber o numerador e o denominador. Por dois motivos. Primeiro porque, para não usar nenhuma aproximação, o conjunto universo do problema deve contemplar todo e qualquer ser humano que reúne as características pré-definidas como atrativas ao nosso fulano - sim, a menos que você tenha algo contra as asiáticas, a China é um problema. Isso pode ser solucionado assumindo que, para efeitos práticos, pode-se simplesmente fazer uma amostragem séria - e não tendenciosa, como as pesquisas eleitorais divulgadas por alguns periódicos de qualidade duvidosa... O segundo problema é conhecer suficientemente bem os indivíduos da amostragem para saber que tipo de pessoa os atrai. Além disso tudo, há ainda o patente problema de duas pessoas com esses gostos em comum encontrarem um ao outro, se conhecerem melhor e não descobrirem nada que considerem repugnante no outro. Então, as probabilidades do problema são três: primeiro, a probabilidade de encontrar um ser humano que atraia o nosso fulano; depois, a probabilidade de, entre os seres humanos pelos quais ele se sente atraído, existir um que se sinta atraído por ele; e por fim, a probabilidade de esses dois sujeitos se encontrarem e etc. Como os eventos são dependentes um do outro, a probabilidade total é o produto das probabilidades individuais. Ou seja: encontrar o "amor da sua vida" é quase como ter a Lei de Murphy agindo sobre si mesma, provocando um desastre em suas próprias probabilidades. Meu Deus: o amor é um desastre probabilístico! É mais fácil topar com um raio que com sua alma-gêmea! "Jogue suas mãos para o céu/ Agradeça se acaso tiver/ Alguém que você gostaria que/ Estivesse sempre com você/ Na rua, na chuva, na fazenda/ Ou numa casinha de sapê"!

2 comentários:

Fábio Fortes disse...

Dear Rafael,

Adorei o seu texto: seu humor é fantástico, como sempre me alegrou as suas pequenas e bem-comportadas ironias! Gostei também do estilo 'científico'!

Um grande abraço, meu amigo!

Ah! Estive em Juiz de Fora, liguei pra vc duas vezes e não consegui te encontrar!

Paula Esposito disse...

Humm! O amor é um desastre probabilístico... E eu preocupada com as amostragens tendenciosas dos periódicos de qualidade duvidosa!

Um enfoque científico e bem calcado sobre a Lei de Murphy ficou show, cara!