sexta-feira, 1 de maio de 2009

O Penico das Lembranças

"Abençoados sejam os esquecidos, pois tiram o melhor de seus equívocos"
(Nietzsche, Além do Bem e do Mal)

Outro dia, ao comentar com meu amigo e "leitor padrão" deste blog, Fábio Fortes, que, num espaço chamado "Jarro de Memórias", todo texto deve conter uma lembrança, me dei conta de que nunca antes tinha explicado isso a qualquer pessoa. O que é curioso, pois noto que a primeira publicação de vários dos blogs que acompanho tiveram por finalidade explicar o porquê da criação do mesmo. Mas não este. Antes de, finalmente, prover tal justificativa, devo dizer que relutei muito em criar um blog. Isso porque, desde agosto de 2000, mantenho um "diário". E isso já supre minha necessidade de fazer download de meus pensamentos para algum lugar - conceito semelhante me foi apresentado, anos depois, por J. K. Rowling, na forma da maravilhosa penseira de Dumbledore. Assim, criei o blog para dividir algumas de minhas lembranças com meus amigos e leitores ocasionais, para que tomassem contato com alguma experiência que achei válida, refletissem sobre ela e formassem uma (ou reformassem sua) opinião sobre o assunto. O nome "Jarro de Memórias" veio de uma carta do card game Magic: the Gathering: Jarro de Memória - que não é só uma das minhas cartas favoritas, como também uma das mais poderosas (e poéticas!) do jogo. Mas talvez nada disso tivesse realmente acontecido se não fosse o sonho que tive na noite de 14-15/03/05. O que farei nos próximos parágrafos é tentar descrevê-lo, simplesmente. Então, paciência: é um sonho!

Ao som de Brain Damage - Pink Floyd

Não sei bem como o sonho começou, mas lembro que, em algum momento, eu estava, com meu pai, na esquina da rua Américo Luz com a avenida Governador Valadares (bairro Manoel Honório). Na verdade, não cheguei a ver meu pai em momento algum... Bem, fato é que, de alguma forma, soube que meu inimigo nos sonhos de infância estava de volta e tinha sequestrado meu pai. Como eu sabia se tratar do Penico das Lembranças - de quem nutria imenso e verdadeiro ódio -, logo fiquei preocupado. Sabia que meu inimigo era uma planta carnívora gigante, mutante, que tinha crescido em um vaso sanitário e se alimentava de pessoas. Ou melhor: conforme refleti depois de acordar, se alimentava de minhas lembranças. Tendo eu percebido que meu pai havia sido arrastado para um beco na rua Américo Luz próximo ao cruzamento onde estava, tratei de correr para lá a fim de salvá-lo. Mas foi em vão: tão logo a fantástica planta mutante percebeu minha intenção, parei de ouvir os gritos de meu pai. E logo as partes que mostravam que meu inimigo era uma planta gigante sumiram, ficando apenas o sinistro vaso sanitário branco, que desceu do alto de um prédio e me encarou. Detalhe: o vaso falava! E ameaçou me devorar também. Agindo meramente por defesa, apontei meu dedo indicador em direção ao vaso e fiz o movimento como se estivesse disparando uma arma. Ouviu-se o barulho de um tiro e uma bala "saiu" de meu dedo, atingindo o chão bem no lugar onde o Penico das Lembranças estava - estava, pois o bendito "pulou", esquivando-se do tiro. Em momento algum pensei em vingar meu pai ou que, destruindo o Penico, poderia trazê-lo de volta - agia num misto de ódio e defesa.

Então, começou a batalha entre eu e o Penico das Lembranças, que saltava de prédio em prédio, esquivando-se de meus tiros de uma forma que faria inveja até ao Neo, de Matrix. Persegui-o ferozmente até perdê-lo de vista. Mas não por muito tempo, pois logo o cenário mudou e me vi no terraço de casa. Até então, a batalha só tinha servido para provar que o Penico era muito resistente e ágil - principalmente por ser mutante e poder assumir diversos tamanhos, do microscópico ao gigantesco. No terraço de minha casa, fui avisado por minha mãe que o Penico estava, em tamanho microscópico, num tapete verde que estava dependurado na janela. Logo gritei: "então incinere esse tapete!". Sim, nesses termos! E quando minha mãe chegou com o fósforo acesso, disse-me que o Penico já tinha saído do tapete. Então, ele pulou no terraço e assumiu a forma que tinha quando lhe dei o primeiro tiro. Estava tão ameaçador e bem disposto a me devorar como da outra vez. Disse-me ele que já tinha dentro de si mais de oitocentas pessoas. Por alguma razão, ao ouvir isso, pensei no Orkut. O Penico agora tentava me convencer a me juntar àqueles que já estavam em seu interior. Dizia-me que eu seria apenas mais um. Rebati dizendo que ele dava muita importância a mim. De fato, naquele momento me dei conta que o Penico não estava atrás de minha mãe (poderia tê-la devorado enquanto estava no tapete, mas não o fez), mas de mim em especial. E isso só podia ser porque eu tinha alguma importância para ele. Tentei destruir o Penico das Lembranças de todas as formas imagináveis. Dei tiros e até tentei segurá-lo e batê-lo contra o muro do terraço na esperança de quebrá-lo. No fim, o jeito que encontrei para me ver livre do sinistro Penico foi acordar do sonho - que não tinha sido nada engraçado.

Foi aí que, num repente, dei nome ao sonho: "Penico das Lembranças". A primeira pergunta que me fiz depois foi: por que "Penico" se era um vaso? Realmente, deveria ser "Vaso das Lembranças"... Mas decidi manter Penico, pois era incrivelmente inusitado e irônico. Afinal, o que é um vaso sanitário se não um penico superdesenvolvido com alguns adicionais? Depois de refletir se o fato de o devorador de minhas lembranças ser um monstro conhecido como "Penico" era uma espécie de autocrítica super-ácida, fiquei pensando em formas de derrotá-lo e que consequências isso teria.

A conclusão é que foi interessante. Minha batalha era por salvar minhas lembranças. E a isso o diário servia bem: a menos que o Penico se transformasse em vírus de computador, minhas memórias estavam salvas! No entanto, nessa tentativa desesperada, passei por cima do valor inestimável do esquecimento de algumas coisas. A ideia é bem Brilho Eterno De Uma Mente Sem Lembranças: o poder de editar a memória. Daí me veio a pergunta: como seria se pudéssemos nos lembrar apenas do que nos agradasse? Creio que chato. Tão ruim quanto se lembrar de tudo em detalhes. A meu ver, todo tipo de experiência é válida e melhor fazemos em tentar nos entender com nossos "traumas". Claro que fazer um mapa de como a memória se organiza seria maravilhoso para tratar vícios e doenças como a esquizofrenia. Mas daí a selecionar lembranças para ficar guardadas e outras a serem excluídas... Acho que perderia a graça: o bom da nossa memória é que a gente ainda não descobriu onde fica o delete - ou a cordinha da descarga...

2 comentários:

Paula Esposito disse...

Ei!! Eu li um texto seu com esse título...

Pode ser que nao tenha sido a sua intençao, mas o texto ficou comédia.

Eu rachei os bicos ao imaginar as peripércias do vazo! Vc nao imaginou que o penico dotado de adicionais possa ter aprendido artes marcianas com o Mestre Ioda e aulas de dança com o Carlinhos de Jesus??

Cuidado p vc nao ferir alguém com esse seu dedo, heim?

Unknown disse...

Rafa, interessante ver a idéia de cada um ao ler um texto... rs
To vendo o comentário da Paulinha, eu realmente não achei cômico.
Fiquei impressionado com as possibilidades desse sonho e a forma como você interpretou.
Não poderia ter outro nome esse espaço, de acordo com tua proposta.
Esse lance da memória... cara, no momento que passo da vida seria fundamental... rsrs
Mas de fato, quem devora nossas lembranças? Um monstro ou um anjo?
Valew pela explicação!